quinta-feira, 6 de julho de 2017

O Mundo de Aisha - A revolução silenciosa das mulheres no Iêmen

O italiano Ugo Bertotti desenha essa bela graphic novel a partir dos relatos da fotojornalista Agnes Montanari, que colabora com o livro não só com seu depoimento, mas também com fotos tiradas durante o tempo em que ficou no Iêmen. Então, ainda não sei por que do nome dela não aparece como autora ou coautora do livro. Um pouco do mesmo machismo do Iêmen pode ainda ressoar com alguma intensidade no mundo ocidental.

Enfim, voltando a obra, mais especificamente ao subtítulo em português que fala sobre uma revolução silenciosa. Essa tal revolução não chega nem a ser um ruído, talvez um sussurro abafado dentro de um niqab (vestimenta típica que cobre o corpo todo das mulheres deixando apenas seus olhos a mostra) de tão silenciosa, mas não que não tenha sua relevância. Tem sim, e muita, principalmente para as mulheres de lá. Quero dizer com isso que diante da sociedade machista, misógina, retrógrada em que elas vivem, não há mudanças significativas no comportamento dessa sociedade em si. Existe sim uma mudança nos grupos de mulheres que sofrem com a total falta de estrutura para dar-lhes qualquer apoio, suporte ou orientação. As histórias deixam isso bem claro. E para quem pensa que esses pequenos sussurros revolucionários são recentes, precisa realmente ler a obra. Elas já vêm mostrando sua força e vontade de mudar há muitos anos.

Basicamente são três mulheres que nos guiam sobre os costumes e suas histórias de um mundo muito distante do nosso, sendo muito, muito distante culturalmente. O que elas sentem ou almejam ninguém se importa. Apenas seus atos rebeldes são notados e na maioria das vezes há alguma forma de punição. Uma simples ida a janela de casa sem o niqab pode ser interpretado como um ato de insurgência, pode custar a vida de uma mulher e seu agressor ficar impune. Atos que vão além da coragem e da rebeldia. Atitudes que são necessárias muitas vezes por serem a única alternativa. Elas chegam a pagar um preço muito alto por suas posturas e quererem dar um país mais livre as futuras gerações de mulheres iemenitas.

Pode se encontrar referências a outras obras relacionadas a nona arte e ao jornalismo. Por exemplo, o traço de Bertotti e o tema são muito ligados a Persepólis de Marjane Satrapi, aliás o Oriente Médio, universo muçulmano e guerras de cunho religioso são retratados de forma recorrente no universo do jornalismo e quadrinhos. Talvez pelas ações terroristas diretamente ligadas a grupos extremistas que repercutem de forma intensa e exaustiva nos meios de comunicação. Talvez pelos intensos conflitos armados em si que também ganham notícias diariamente. Talvez pela curiosidade em geral do povo ocidental pela cultura em torno do islamismo. Talvez, e prefiro acreditar nesse, seja pela tentativa universal de empatia e de se solidarizar de alguma forma com alguns grupos, sobretudo o de mulheres, pela maneira como são tratados pelos regimes que têm como uma de suas bases políticas o islamismo. Na maioria das vezes tratadas com muita repressão e violência.

O trabalho fotográfico de Montanari é outro aspecto ligado ao tema jornalismo/quadrinhos que fazem de alguma forma alusão a uma outra graphic chamada O Fotógrafo de Didier Lefèvre que narra sua viagem pelo Afeganistão com um grupo do Médico Sem Fronteiras em meados dos anos 1980. Em ambos os quadrinhos, as fotos têm um papel fundamental de corroboração com a história ou as histórias. Usam de forma a impactar com mais intensidade o que já fora registrado em desenhos. Deixando tudo ainda mais humanizado. Criando uma narrativa única, podendo se tornar um gênero com características próprias do híbrido entre quadrinhos, jornalismo e fotografia.
Há uma passagem onírica bem colocada e outra em que há uma lenda sobre a fundação da cidade Sanaa, capital do Iêmen, ambas na última história que fala da vida de Aisha e de outras mulheres que ela tem contato. No documentário em forma de desenho animado Valsa com Bashir dirigido por Ari Folman, que depois virou uma graphic novel, é recheado de momentos de sonhos, ou pesadelos, que percorrem a obra toda. O próprio Folman disse que a animação foi o meio encontrado para dar forma a esses sonhos. Com um documentário comum não seria possível, ou até seria, porém, os custos de produção seriam astronômicos. No Mundo de Aisha são poucas passagens desse tipo, diferente da obra de Folman, onde os sonhos são fundamentais para a narrativa, mas no livro de Bertotti esses momentos fazem uma metáfora ao comportamento opressor recebido pelas as mulheres, contando até sua provável origem, antes mesmo da criação do islamismo.

Com todos esses aspectos O Mundo de Aisha se torna uma obra sobre a terrível realidade da vida das mulheres iemenitas. Também é inspirador conhecer a história de força e de organização dessas esposas, filhas, mães, ao querer uma vida melhor, um Iêmen mais justo para suas mulheres. Pode até ser um movimento muito silencioso, mas que é poderoso e inevitável.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Qual termo apropriado para se referir a crianças e adolescentes?

Desde quando comecei a escrever, sempre houve algumas dúvidas em relação a forma correta do uso de determinadas palavras para descrever algo ou alguma situação. Ao escrever, em especial sobre crianças em alguns tipos de risco social, essas dúvidas ficavam maiores ainda. Então, afinal, qual o termo ou termos corretos a serem usadas nessas ocasiões? 
No site da ANDI encontrei a resposta, assim como achei mais um monte de outras terminologias que poderiam vir causar auto questionamentos qualquer dia desses. Na página há diversas orientações e sugestões para profissionais da comunicação e de outras áreas também, mas o foco é em jornalistas.
A produção de textos de cunho informativo, em especial realizados por comunicólogos, deve sempre ser responsável, inclusive na utilização correta de termos e palavras, de forma a ter a menor quantidade de equívocos, causarem mal estar, gerar dúvidas e/ou contribuir ainda mais para estigmatizar pessoas ou grupos sociais.
Fiquemos mais atentos, em especial aos que estão habituados a rotina intensa de produção textual, para não realizar desserviços à sociedade, o contrário da prática jornalística.  







http://www.andi.org.br/help-desk/quais-sao-os-termos-mais-apropriados-para-se-referir-criancas-e-adolescentes-quando-se-tem

quarta-feira, 1 de março de 2017

Nada Importa

Uma história curta, mas de grande valor por nos colocar no interior de Paula. Mulher negra, forte, determinada. Inicialmente sua vida é marcada pelos preconceitos velados. Depois, por uma batalha á algo tão cruel quanto o racismo, porém não por uma luta travada contra os outros que são os doentes, pra mim preconceito também é doença. Paula precisa tratar algo que a deixa doente de dentro pra fora: a depressão.
Uma obra que fala de alguns de nossos problemas atuais, sem embasamento "médico-científico-teórico-social-filosófico", como a própria HQ se coloca, mas funciona como um alerta para ficarmos atentos a nossas angústias e comportamentos, e também ao de outras pessoas, principalmente as que são próximas da gente.
Com a bela e divertida arte de Hugo Nanini, e o roteiro preciso e sensível de Paco Steinberg, eles trazem o melhor do entretenimento. Porque além de entreter,  trazem consigo algo  valoroso, que é a concientização das formas de racismo, muitas vezes não vemos como estamos sendo desrespeitosos com o outro, e como isso afeta o ser humano que passa por isso. E, também, por mostrar os sintomas de uma doença que ninguém está totalmente  imune.

Diversão e conscientização são coisas que deveriam ser vistas andando de mãos dadas com mais frequência. Bem mais frequência!!! 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Pelo Telefone

Pelo Telefone trata de uma interessante web HQ sobre a origem do samba de mesmo nome. Considerado o primeiro samba a ser gravado por Enersto dos Santos, popularmente conhecido como Donga, e o jornalista, dramaturgo e sambista Mauro de Almeida. Cem anos depois, com roteiro de Diego Assis e arte de Alexandre de Maio, fazem sua homenagem retratando o que inspirou e como foi criado esse samba de 1916.
Divirta-se com a HQ e divirta-se ainda mais com o samba!!!
https://www.uol/entretenimento/especiais/samba-em-quadrinhos.htm#pelo-telefone


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Ruínas de Peter Kuper


Já faz alguns dias que terminei de ler a bela graphic novel de Peter Kuper, Ruínas, e desde que terminei queria indica-la imediatamente aqui. Acho que demorei porque ainda a estava absorvendo e sendo levado por ela, assim como a obra é levada por uma borboleta monarca que voa pelas páginas de cores frias e cinzentas que contrastam com as da própria borboleta e o restante do livro, carregado por cores quentes e alegres. A monarca inicia a sua migração em uma estrada deserta na America do Norte até as florestas do estado de Michoacán, no México. Percorre milhares de quilômetros, exatamente como todas as outras da sua espécie de borboleta que o fazem todos os anos. Essa nossa guia alada passa por problemas sociais e ambientais de diversas cidades, tanto americanas quanto mexicanas, mostrando que as dificuldades existem tanto em um país como outro. Talvez a única maneira de transpor os muros físicos que tentam erguer e os muros da xenofobia crescentes no mundo seja exatamente a liberdade. O percurso do bater de asas dessa borboleta nos traz as escolhas, as liberdades, dos personagens e suas consequências.   
   
Tirando esses paralelos e divagações quanto ao que o autor quis dizer sobre mundo real e suas crises atuais, a obra não é um livro-reportagem em quadrinhos. Isso, porém, não a afasta tanto assim dos elementos verídicos que fazem parte da rotina dos personagens principais, o casal norte americano George e Samantha, que se mudam para a cidade de Oaxaca, no México. Ela busca principalmente inspiração, no caso, Samantha escreve um livro sobre cultura mexicana e tenta exorcizar seu passando, revivendo constantemente diversos momentos de uma outra vez anos atrás que viajou para lá. E, também, uma outra perspectiva para suas vidas, principalmente em relação a George que perdeu o emprego recentemente e não sabe o que fazer. Tentam se reencontrarem entre si e consigo mesmos apostando que essa viagem traga um norte para suas decisões e talvez algo mais.
Há algumas referências na obra, algumas vezes, bem engraçadas

Os elementos reais ao qual se apropriou Kuper, que morou na cidade durante dois anos com família, como a crise política que envolveu o governador local e o confronto da polícia com professores manifestantes que durou meses, prendeu pessoas, deixou feridos e até mesmo mortos, dão um saborzinho mais caliente, na já tão completa e sensível graphic. Alguns personagens coadjuvantes, como a empregada Angelina e o ex fotojornalista Al, esse último inspirado em uma pessoa real, trazem momentos cômicos e significativos. Muitas vezes influenciando expressivamente o destino do casal. 

Além de tudo, Kuper foi premiado com o Eisner de Melhor Álbum Gráfico de 2016, com certeza muito merecido. Uma obra incrível que deve ser leitura obrigatória para os que curtem a nona arte e também admirada por todos que gostam de uma boa história com uma bela arte e um excelente senso de humor.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Quatro Marias e o Aborto no Brasil


Apresento a vocês um belo trabalho sobre a triste realidade do aborto aqui no Brasil, é o Quatro Marias. Duas estudantes, Helô e Joyce, e sua professora, Bianca, produziram uma reportagem sensível e bem informativa em quadrinhos sobre quatro mulheres que passaram por situações em que tiveram que abortar.
As histórias reais dessas mulheres se unem a textos informativos e entrevistas com pessoas de diversas áreas, contribuindo para dar um panorama sobre esse momento que fez, faz ou pode vir a fazer parte da vida de algumas mulheres, e ainda é um grande tabu na nossa sociedade. O aborto, sua legalidade, seus procedimentos, suas consequências, enfim tudo que envolve esse assunto deve ser cada vez mais discutido e esclarecido, e essas moças da Cásper Líbero o fazem de forma muito assertiva.

Além das histórias, o site ainda contém dados sobre o assunto, perguntas frequentes e como foi todo o processo de produção da reportagem, desde as entrevistas até a elaboração dos desenhos. 

Vale muito a pena conferir!!!